Tecendo memórias: Avós contam estórias na Escola Profissional de Celorico de Basto

Projeto pioneiro une gerações e valoriza o património cultural através das artes manuais e da agricultura.
Projeto pioneiro une gerações e valoriza o património cultural através das artes manuais e da agricultura.

Em Celorico de Basto, a Escola Profissional Agrícola Eng Silva Nunes tornou-se palco de um projeto inovador que trouxe as avós à sala de aula para partilhar com os netos histórias e memórias de tempos antigos. Tudo isto com a lã como inspiração e os netos como ouvintes atentos.

A iniciativa pretende avivar a memória dos mais jovens e recordar tempos antigos “duros, mas saudosos” vividos pelos mais velhos sobretudo na agricultura. A inspiração para este projeto nasceu da falta de aproveitamento da lã, uma matéria-prima que era, em tempos, fortemente usada para fazer casacos, mantas e meias e que hoje é sobretudo, desperdício.

Rosa Pomar, reconhecida artesã, de fio de lã, esteve presente nesta ação e salientou a importância deste trabalho manual, que se tem vindo a perder ao longo de gerações. “Houve uma vontade de fazer desaparecer os trabalhos manuais do ensino, porque, infelizmente temos um estigma enorme no qual associamos o trabalho manual à pobreza e precariedade, o que está completamente errado. Ao erradicar do nosso ensino tudo o que nos faça lembrar aquilo que fomos estamos a cometer um erro colossal, porque lembrarmo-nos do que fomos só nos orienta para sermos outras coisas, sem esquecer a preservação da nossa identidade”. Rosa Pomar, vive e trabalha em Lisboa e na sua base de trabalho tem vindo a promover oficinas e workshops de fiar a lã, fazer malha, e meias, “oficinas que enchem com mulheres licenciadas, que têm curiosidade porque sabem que estes trabalhos são uma mais-valia, para muitas o princípio de um trabalho, para outras é uma forma de descontrair e até de comunicarem com as suas avós”. Uma arte que promove a intergeracionalidade com Rosa Pomar a dar um exemplo concreto. “Tive o caso de um rapaz que era comissário de bordo e veio aprender a fazer malha comigo porque a avó dele estava demente mas continuava a fazer malha, e ele sentiu que ao fazer malha junto da avó ia conseguir comunicar com ela”. 

Ao longo da aula, as avós presentes contaram aos netos as suas vivências, histórias e memórias, onde salientaram a forma de trabalhar a lã, o trabalho árduo da agricultura, as dificuldades e as alegrias, tempos desmarcadamente diferentes mas “muito inspiradores”.

Avós contam estórias na Escola Profissional de Celorico de Basto

Leonel Castro, professor de Português, e autor deste projeto, estava rendido à forma como a iniciativa foi acolhida. “Conhecemos a Rosa Pomar aquando da nossa participação com as raças autóctones no Fundão, a partir desse contacto achamos que faria todo sentido tê-la connosco neste projeto. Um projeto enriquecedor, que cria laços e fomenta a nossa identidade. Li inúmeras teses de mestrado sobre intergeracionalidade e devo assegurar que nenhuma delas fala desta relação escola-avós-netos em contexto sala de aula, e este perpetuar de saberes que tanto nos enriquece”.

A ação contou também com a presença da vereadora da Educação da Câmara Municipal de Celorico de Basto, Maria José Marinho, que valorizou a iniciativa, “uma ação muito pertinente e que assegura este preservar tão necessário das nossas memórias. Só posso felicitar todos aqueles que se envolveram neste projeto, um projeto integrador, comunitário, capaz de olhar para o futuro sem esquecer o passado. Serem capazes de agarrar nas vivências do passado para, com elas, construir um futuro que se agarra às raízes sem medo ou preconceito, onde a vertente económica e sustentabilidade se aliam de forma natural, é ter uma visão próspera e empreendedora”.

É ainda importante salientar que a reconhecida artesã produz, na sua atividade profissional, fio para malhas para têxteis, a partir de lã de raças autóctones portuguesas. A produção é na sua maioria para exportação para países como Japão, Estados Unidos da América e Coreia do Sul, “países desenvolvidos onde o saber-fazer é muito valorizado, sendo que no japão os artesãos são considerados património vivo, o trabalho manual é muito apreciado e estimado nestas culturas. Ao mesmo tempo há consciência maior em relação ao que é a qualidade do produto, interessa muito mais comprar um novelo que se sabe que foi produzido com determinados critérios e matéria-prima, do que comprar algo low-cost, uma consciencialização que se está a desenvolver em vários setores do consumo e também neste”.

Para Fernando Fevereiro, diretor da Escola Profissional Agrícola Eng Silva Nunes, “este é mais um projeto centrado nos nossos alunos, porque eles são e serão sempre o nosso foco e, é nossa missão encontrar as melhores estratégias para os continuar a motivar e a aliciar para este mundo tão interessante e fundamental da nossa economia, a agricultura e as suas potencialidades”.